Déficit de leitos de UTI na rede estadual ultrapassa 1.800 vagas - BAHIA

Há casos de pacientes que esperam dez dias para fazer cirurgia de emergência

Flávio Costa - Correio da Bahia ( 23/03/07)

O déficit de leitos de unidade de terapia intensiva é de pelo menos 1.875 vagas na rede pública de saúde da Bahia. De acordo com os parâmetros estabelecidos pela Portaria 1.101/2002, do Ministério da Saúde, o estado deveria oferecer o mínimo de 2.711 leitos de UTI nos hospitais públicos. No entanto, a oferta é de 936 – 515 nas unidades de saúde pública e 421 na rede privada complementar. A defasagem já provocou a morte de pacientes que precisavam do atendimento de emergência, enquanto eles esperavam por uma transferência, como aconteceu anteontem com a estudante Josenita Oliveira Santos, 16 anos, internada no posto de saúde São Marcos. No Hospital Geral do Estado (HGE), há casos de pacientes que esperam mais de dez dias para se submeter a uma cirurgia de emergência.

Diabética e com um quadro de cefaléia, dores no corpo e glicemia elevada, Josenita foi internada, no último domingo, no posto de saúde São Marcos e morreu dois dias depois sem conseguir transferência para um leito de UTI num dos hospitais públicos da capital baiana. O caso de Josenita não foi o único: no início de janeiro, o catador de papelão Teobaldo Silva de Jesus, 47 anos, morreu após ser deixado por uma ambulância do Serviço de Atendimento Médio de Urgência (Samu) na fila do ambulatório do Hospital Santo Antônio. Com uma grave crise respiratória, ele foi recusado em pelo menos três unidades públicas de emergência antes de morrer. Não havia vagas.

Histórias como a de Josenita e Teobaldo realmente não são incomuns. Felizmente, nem sempre o final é tão trágico. O pai do rodoviário desempregado, Roque Ferreira, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), na última quinta-feira, e foi levado, às pressas, para o Hospital Roberto Santos, no Cabula. Não foi atendido. “Não havia nem maca para atendê-lo”, diz Roque. A solução foi levá-lo ao HGE, onde o paciente conseguiu atendimento. “Não posso reclamar do atendimento do HGE, mas ainda bem que meu pai conseguiu resistir até chegar aqui”, afirma Roque.

Em algumas ocasiões conseguir uma vaga na emergência, não significa que a situação esteja resolvida. O eletricista Genilson Alves da Silva, 18 anos,  espera há 11 dias por uma cirurgia na bacia fraturada por conta do acidente de moto, ocorrido no distrito de Itamira (município de Alagoinhas, distante 83km de Salvador). Internado no HGE desde então, ele  ainda não foi submetido ao procedimento cirúrgico por falta de vagas na sala de cirurgia. Com dores nas costas, ele não consegue se locomover. Por vezes, quando não há parentes por perto, faz as necessidades fisiológicas no próprio leito.

“Não posso me movimentar direito. Eu estou ficando preocupado por cada dia que fico sem fazer a cirurgia. Minha situação pode piorar”, afirmou Genilson, pelo telefone celular à reportagem do Correio da Bahia. Os médicos marcaram a cirurgia para amanhã. Mas, se houver um caso mais grave, ele será novamente preterido. “É uma angústia muito grande porque eu não sei o que vai realmente acontecer comigo”.

No HGE e em outros hospitais públicos, a situação do déficit de vagas nas UTIs e no setor de emergência piora. Ambulâncias vindas de todas as partes do estado trazem pacientes que precisam de rápido atendimento, mas nem sempre encontram vagas. Pessoas impacientes buscam informações sobre a situação dos parentes e amigos. “Eu acho que os médicos deveriam aparecer aqui ou escalar alguém para passar informações sobre o estado das pesssoas”, afirma o pescador Ronaldo de Jesus.

Sua filha, a marisqueira Fabiana de Jesus, sentiu fortes dores na cabeça na última quarta-feira. Foi internada no setor de emergência do HGE, mas até o momento os médicos não sabem de qual mal ela sofre. “Tivemos que pagar um exame de ressonância magnética que custou mais de R$1 mil, porque por aqui o exame só seria feito daqui há 15 dias”, afirma Ronaldo. Até o final da manhã de ontem, a família da marisqueira esperava que um neurocirurgião avaliasse a ressonância magnética de Fabiana.

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Sesab analisa estrutura

A Portaria 1.101/2002 define, entre outras atribuições, a quantidade de leitos hospitalares que um estado precisa oferecer à população. O número é definido a partir dos números de habitantes da região. No caso da Bahia, em termos de UTI, o mínimo seria de 2,7 mil leitos. Na realidade não chega a mil.
O superintendente da Central de Regulação do Estado da Bahia, Andrés Alonso, admite que há um déficit no atendimento de UTI na rede pública, mas que a Secretaria de Saúde (Sesab) está analisando a estrutura da rede, que deverá sofrer alterações.

Questionado se nas ações a serem efetuadas está incluso um aumento da ofertas de vagas nos hospitais, Alonso não deu uma resposta direta. “Nós ainda estamos no período da avaliação da estrutura que encontramos deficitária. Reconhecemos que é uma situação difícil, mas podemos afirmar que uma resposta será dada dentro em breve”. Ele afirmou ainda que a insuficiência de leitos no estado é antiga e não acontece apenas na Bahia, mas sim em todos os estados do país.

Diretora da Central de Regulação, Maria da Conceição anuncia uma reforma na política de urgência e de emergência para adequá-las aos parâmetros do governo federal. “Há uma estrutura deficitária também na atenção básica, que deverá ser reformulada e poderá amenizar esta demanda na outra ponta do sistema, que são os leitos de UTI”. Conceição considera que a situação mais grave se encontra nos hospitais do interior. “Há casos em que há vagas na UTI, mas faltam profissionais qualificados”. A reportagem do Correio da Bahia solicitou o número de pessoas que estão no momento na fila de espera por uma vaga na UTI, mas não obteve resposta.