DESMAME DA VENTILAÇÃO MECÂNICA - REVISÃO SBCM
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Artigo da Revista Brasileira de Clínica Médica |
Desmame da
ventilação mecânica Weaning from mechanical ventilation |
Valquiria Cuin Borges Ary Andrade Jr. Antonio Carlos Lopes Disciplina de Clínica Médica, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. |
Descritores:
ventilação mecânica, suporte ventilatório, dependência ventilatória,
desmame, insuficiência respiratória. Key words: mechanical ventilator, ventilator support, ventilator dependence, weaning, respiratory failure. |
Introdução
Trata-se do processo transitório entre o suporte mecânico e a respiração espontânea. Ao contrário do que o termo desmame sugere, esse processo pode ser abrupto, o que é relativamente comum em situações em que a retirada gradual se faz desnecessária. O desmame caracterizava um processo difícil oriundo dos recursos ventilatórios, bem como os métodos empregados para desmame que ofereciam pouco ou nada adaptável ao conforto e principalmente as necessidades fisiológicas ou fisiopatológicas dos doentes submetidos a ventilação artificial. A princípio haviam muitas falhas no que diz respeito a relação entre fisiologia, fisiopatologia e a metodologia empregada, muitas vezes inadequada e maléfica, especialmente a doentes que necessitavam de suporte mecânico prolongado, isto porque o emprego da ventilação mecânica é uma prática recente tendo somente 30 anos. Na década de 80, a explosão tecnológica trouxe grandes avanços à aparelhagem e à metodologia (Carvalho CRR, Barbas CSV, Schetting GPP, Amato MBP(1)), os estudos do comportamento pulmonar durante a ventilação artificial se intensificou, progressivamente os recursos se tornaram muito mais adaptáveis às diferentes condições clínicas, aumentando as probabilidades de sobrevida e encurtando tempo de retorno à respiração espontânea. Hoje a grande maioria dos doentes ventilados mecanicamente não apresenta dificuldade em ser desmamado, a real dificuldade reside em 5% a 30% dos casos (Carvalho CRR, Barbas CSV, Schetting GPP, Amato MBP(2)), a conduta da equipe, bem como o seu bom desempenho diagnóstico e terapêutico é primordial para manter os doentes ditos de difícil desmame, englobando essencialmente os pneumopatas crônicos, agudos graves, com doenças neuromusculares e multissistêmicas. Já uma clínica malconduzida transporta doentes potencialmente de fácil desmame a ruim estatística acima ou mais se considerarmos os óbitos advindos de complicações oriundas ou iatrogênicas. Não é objetivo do trabalho revisar todo o assunto, mas de promover orientação ao uso na rotina hospitalar, apontando pontos principais à condução da retirada do suporte mecânico, levando-se em consideração as dificuldades no processo, comuns em doentes graves e a carência de recursos dos serviços públicos. O momento adequado para submeter um doente ao desmame é produto de parâmetros preferencialmente estáveis dos exames clínicos diários e desempenho pulmonar. Parâmetros 1. Parâmetros gerais Constituem a essência da avaliação para desmame, eles refletem a resolução das causas que levaram a necessidade do suporte mecânico:
Um bom resultado da avaliação geral autoriza a investigação de parâmetros mais específicos. 2. Parâmetros específicos São úteis ao reforçarem a possibilidade do desmame, especialmente nos doentes em que reside a suspeita de desmame difícil (Tabela 1A). As relações de troca gasosa que usam valores alveolares são úteis mas pouco utilizadas devido à falta de praticidade na resolução prévia de equações, além de não serem suficientemente sensíveis e específicas como preditores de sucesso na retirada do suporte (Tabela 2, Yang e Tobin(3)), especialmente em pacientes graves, autorizando assim a utilização mais prática e também segura da saturação (SaO2) e a equação PaO2/FIO2 como parâmetros avaliativos das trocas gasosas. O volume corrente (VC) caracteriza um parâmetro tão útil quanto prático, sua mensuração anterior e posteriormente a uma triagem do desmame ou extubação promove maior segurança a equipe na avaliação do desempenho muscular, além de ser um bom indicativo de circunstâncias predisponentes ao fracasso como estados de hipertermia, espaço morto aumentado ou elevação da impedância do sistema; a capacidade vital (CV), assim como o volume corrente, serve como reforço aos dados acima descritos, necessita, no entanto, de total colaboração do doente. Já o volume expiratório final forçado a um segundo (VEF1), a capacidade residual funcional (CRF) e a complacência não são largamente usadas sendo mais úteis em casos específicos em que estes valores podem estar reduzidos. A pressão inspiratória máxima continua sendo largamente usada por sua capacidade preditiva do insucesso e da detecção precoce da fadiga muscular quando seu valor é inferior a -20 cmH2O. O espaço morto seria útil como avaliativo de maior necessidade de desempenho muscular para vencê-lo, porém a obtenção de sua medida não é prática, sendo razoável o uso do volume corrente e volume minuto alterados como parâmetros de suspeita (Tabela 1B e 1D). O PEEP intrínseco geralmente presente nos DPOCíticos rebaixa a cúpula diafragmática e aumenta grandemente o trabalho respiratório, a demanda de oxigênio e a demanda cardíaca, favorecendo a fadiga, seu cálculo também não é prático a menos que se disponha de aparelhos e monitores próprios, a oclusão da válvula expiratória ao final do mesmo ciclo é capaz de detectar a presença de PEEP intrínseco, mas apenas estima seu real valor, sendo útil somente para que medidas sanadoras do PEEP intrínseco sejam tomadas e seus altos valores não prejudiquem o processo de desmame. O volume minuto é bastante útil na mesma proporção do volume corrente, sua mensuração é mais precisa quando calculada pelo volume corrente a cada minuto, a pressão de oclusão aos 100 milissegundos do início da inspiração (PO1) e a relação de freqüência respiratória pelo volume corrente ou índice de Tobin (f/VT) são dois novos índices, sendo este último bastante útil pela sua especificidade razoável e praticidade na aplicação (Tabela 2, Yang e Tobin(3)). Se ao avaliar o f/VT, este se apresentar elevado, predizendo o insucesso e, se a suspeita residir em uma freqüência exacerbada pelo drive hiperestimulado, o cálculo da relação PO1/Pimáx com valores acima de 8% a 15% confirmariam a suspeita, reforçando a possibilidade de fracasso. A resistência das vias aéreas seria útil quando usada em doentes com predisposição no controle do trabalho resistivo para que não imponha um trabalho total da respiração elevado. A ventilação voluntária máxima caracteriza o parâmetro mais prático, pois não necessita de aparelhagem complexa para obtenção, quando há colaboração total do paciente sua mensuração é bastante útil na avaliação do desempenho diafragmático isoladamente. O PO1 tem sido proposto também na relação da PO1 estimulada pelo CO2/PO1 basal para detectar ou confirmar uma suspeita de drive insuficiente. O trabalho respiratório = trabalho resistivo + trabalho elástico em valores acima do descrito por tempo prolongado leva quase que invariavelmente à fadiga; o índice de pressão pelo tempo (IPT), resultante de um aperfeiçoamento do trabalho respiratório, dá uma estimativa do gasto energético da musculatura, durante o trabalho mecânico funcionando como preditivo de fadiga da mesma maneira que o trabalho respiratório e, finalmente, o índice de complacência, freqüência respiratória, oxigenação e pressão inspiratória máxima (CROP) não é prático, mas quando disponível pode ser usado, preferivelmente após outros mais seguros. Estes parâmetros têm validade para adultos e crianças acima de sete anos e seus valores podem variar devido à discordância existente entre autores (Carvalho et al.(4)). Yang e Tobin(3) estudaram prospectivamente cerca de 64 pacientes determinando a sensibilidade e especificidade dos índices preditivos à evolução da retirada do suporte mecânico citados anteriormente. A seleção dos índices foi determinada pelo seu sucesso e insucesso respectivamente na retirada do suporte avaliada em 36 pacientes anteriormente. Acompanhe os resultados na Tabela 2. A respiração superficial (f/Vc) se mostrou o mais acurado com valores preditivos positivo e negativo, respectivamente, de 0,78 e 0,95, mas mesmo assim isoladamente não caracteriza um parâmetro seguro, além das baixas especificidades dos parâmetros, outra dificuldade reside no fato de que durante a rotina de trabalho se torna excessivamente demorado e muitas vezes impossível cálculos complexos, elegendo os parâmetros à beira de leito e aqueles cuja equipe mais tem intimidade os que deverão ser usados mais comumente, não descartando a possibilidade da exploração de métodos mais complexos para detecção de um problema interrogado e que possivelmente seja o causador de fracasso, não restando dúvidas que o que ditará os parâmetros, a serem avaliados, será a clínica atual e anterior do paciente. O passo a seguir será a escolha do melhor método de desmame a empregar, não se terá disponível em todos os serviços aparelhagem adequada para se efetuar a melhor escolha, portanto o método disponível terá de estar diretamente relacionado aos parâmetros avaliados e discutidos acima, o seu emprego no que se refere a cronologia, seguirá incondicionalmente a clínica do paciente e os parâmetros mais relevantes devem ser periodicamente reavaliados, a avaliação de novos parâmetros terão lugar neste momento e não se deve esquecer de um fator simples, mas muitas vezes negligenciado, o bem-estar do doente, que deverá ser preservado na medida do possível. Métodos de desmame 1. Abrupto Realizada em doentes com pouco tempo de ventilação mecânica, que não apresentam complicações pulmonares e com condições clínicas e gasométricas estáveis a baixa dependência de suporte. Caso resida dúvidas da capacidade respiratória voluntária se deve realizar teste em tubo T ou pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) por 30 minutos, continuando o doente sem grandes alterações: extubar. Este teste pode ser realizado em qualquer outro método de desmame em que existir insegurança da possibilidade de extubação. 2. Gradual com tubo T Preconiza-se usar 10% de O2 acima do valor anterior, tendo início de 5 a 10 minutos a cada 30 a 180 minutos sempre observando se ocorre aparecimento de sinais de fadiga e assim que constatada, interrompe-se o processo com reinício cerca de 12 horas depois. Quando o doente for capaz de respirar espontaneamente por duas horas consecutivas = extubação. Vantagens
Desvantagens
3. Triagem diária da respiração espontânea Realizada por tubo T ou CPAP (< 5 cmH2O) consiste em respirações espontâneas por um período de duas horas interrompido ao primeiro sinal de fadiga, descompensação ou usado de maneira judiciosa com tempo predeterminado e progressão contínua, tendo reinício após repouso de 24 horas. 4. IMV-SIMV (ventilação mandatória intermitente- sincronizada) Ajusta-se inicialmente a freqüência do aparelho que é predeterminado pela necessidade do doente, efetuando-se reduções da freqüência graduais de 1 a 3 em cada etapa ditadas por uma boa gasometria e condições clínicas de fadiga ausentes, quando se obtiver freqüência 0 ou próxima de 0 = extubação. Vantagens
Desvantagens
5. MMV (ventilação mandatória minuto) Consiste na análise do volume corrente expirado, impondo um volume suporte suficiente para manter volume minuto adequado só ciclando quando o doente hipoventila. Vantagens
Desvantagens
6. VPS (ventilação por pressão de suporte) Injeta pressão positiva no tubo, ciclando aos 25% de queda no fluxo. Vantagens
Desvantagens
7. VAP (ventilação proporcional assistida) Ventilação com pressão positiva esforço dependente. Vantagens
Desvantagens
8. VAPSV (ventilação com pressão suporte e volume garantido) Oferece suporte pressórico com volume garantido de duas vias paralelas, uma oferece o suporte, enquanto a outra garante o volume. Vantagens
Desvantagens
9. CPAP/BIPAP (pressão positiva em dois níveis de pressão)/ VPS Como proposta de ventilação não invasiva oferecida por máscara. Vantagens
Desvantagens
10. VLPVA (ventilação com liberação de pressão de vias aéreas) Trata-se de um sistema parecido com o CPAP de fluxo contínuo com uma válvula de alívio no ramo expiratório, liberando intermitentemente CPAP para níveis menores. Vantagens
Desvantagens
11. Triagens múltiplas da respiração espontânea Semelhante a triagem diária em que o doente respira espontaneamente por um período predeterminado no mínimo três vezes ao dia, intercalando com a ventilação mecânica, aumente-se o tempo de respirações espontâneas até atingir duas horas consecutivas. Dois trabalhos bem conduzidos avaliaram alguns métodos de desmame: Brochard et al.(5) estudaram cerca de cem doentes que na falha de desmame anterior foram submetidos a nova tentativa com tubo T, SIMV ou VPS, repare que algumas destas características desfavorecem o método empregado (Tabela 3). Os resultados foram plotados na Figura 1.
O estudo de Brochard et al.(5) concluiu que a pressão suporte desmamou em menor tempo e com menor número de intercorrências. Profissionais mais experientes confirmam os benefícios deste modo. Em contrapartida Esteban et al.(6) estudaram outros 550 pacientes prospectivamente, porém não descreveram tão ricamente as características deles como fizeram Brochard et al.(5), eles compararam os modos IMV, VPS, triagem diária e triagem múltipla da respiração espontânea (Tabela 5 e Figura 2). Os resultados obtidos por Esteban et al.(6) foram discrepantes aos de Brochard et al.(5) nos quais a triagem diária foi superior em relação ao tempo e intercorrências no período de desmame à triagem múltipla e esta em relação a pressão suporte e IMV.
A resposta para tão diferentes resultados se tem tentado buscar em novos trabalhos, apenas a inferioridade da modalidade SIMV puro foi um achado em comum. Na realidade não existe parâmetros ou modos e modalidades chamadas "Gold Stander", nenhum trabalho conseguiu mostrar uma superioridade absoluta. Quando se trata de desmamar doentes com real dificuldade ao retorno da respiração espontânea, o sucesso continua vinculado ao acompanhamento cuidadoso do doente por uma equipe multidisciplinar experiente e competente, capaz de indicar ou contra-indicar um desmame, usando parâmetros e bom senso, métodos puros ou combinados que, usados judiciosamente proporcionem conforto, evitando assim o desgaste físico e a ansiedade excessiva, além do preparo do sistema respiratório ao retorno à independência ventilatória, pode parecer difícil, mas é possível encontrar soluções simples e eficientes. Outro aspecto importante é a detecção precoce de uma possível falha, a avaliação de sua origem a implantação de medidas sanadoras, buscando uma nova tentativa. A experiência mostra que um harmonioso trabalho em equipe reduz as chances de falha (Tabela 6). Extubação Retirada da via aérea artificial após atingidos os parâmetros que garantam a respiração espontânea definitiva. Segue-se os seguintes cuidados:
1. Desconforto obstrutivo alto (principal complicação da extubação)
Atentar sempre para:
2. Cuidados com DOA
Sugeridos como tentativa de evitar a reintubação. 3. Em caso de piora clínica e gasométrica
Referências bibliográficas
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