Ji - JORNAL DO INTENSIVISTA - ENTREVISTA - MAIO 2008
VAMOS CRIAR UMA NOVA UTI
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O Presidente Fundador da SOBRATI Douglas Ferrari diz que o maior desafio é Qualificar, Humanizar e Democratizar as UTIs brasileiras. Que estamos avançando no caminho certo. ______________________________________________________________ Esta foi a tônica da entrevista realizada com o médico intensivista e Presidente Fundador da SOBRATI Douglas Ferrari. Formado há 22 anos na UNESP, lembra das UTIs rudimentares, com Mark-7, sem oximetria e com monitores limitados. Lembra-se também das altas taxas de óbito, em torno de 50%, com limitação de profissionais qualificados e especializados. Hoje mostra outro cenário onde a indústria nacional colaborou para implementação técnica e o conceito interdisciplinar e a especialização iniciou impacto para redução do óbito de 50% para 20%. Conta que a SOBRATI colaborou na mudança ideológica e inseriu visão contemporânea com formação avançada para profissionais de todas as profissões vinculadas ao atendimento do paciente crítico, apoio a industria nacional e abertura integral das UTIs para família. Idéias Polêmicas, pretende colaborar para criação de uma nova UTI, Qualificada, Humana e Democrática. Entende que o maior desafio da Sociedade é democratizar o atendimento intensivo qualificado e humano, transformando a Terapia Intensiva Nacional. Conta ainda que o sucesso da SOBRATI se dá em virtude da sua clareza ideológica, no respeito às profissões principalmente na sua autonomia e forma de praticar a sua ciência específica. Segundo Douglas Ferrari a SOBRATI restabeleceu o conceito de Terapia Intensiva moderna e do Intensivista de todas as profissões, mudou a aceitação do equipamento nacional na UTI e criou um sistema educacional da Terapia Intensiva sólido e avançado, incluindo a formação de especialistas e Professores Intensivistas. Finalizou afirmando que o futuro da UTI passa na humanização e treinamento especializado, gerando ensino e pesquisa.
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* Perguntas feitas por intensivistas diretamente ao Presidente da SOBRATI ou através dos internautas em nosso site. A entrevista inaugura o Jornal do Intensivista. Da Redação.
JI - Como surgiu a SOBRATI e qual seu objetivo e como explica seu sucesso?
A SOBRATI traduz um grande sonho de todo intensivista onde todos empenhados em único propósito, ou seja, o bem estar do paciente crítico, da sua família e equipe, transforma o atendimento intensivo qualificado onde todos fazem a sua parte dentro dos limites profissionais de cada um. A Sociedade tem ideologia clara e transparente, trazendo um modelo nacional traduzido no seu brasão onde predomina a bandeira nacional e a eletrocardiografia que se tornou símbolo técnico da monitoração. Tem objetivo de apoiar os dois pólos, ou seja , a equipe e o paciente, trazendo a melhor UTI possível dentro da realidade de cada local. Entende que podemos fazer a melhor UTI em qualquer região deste país, desde que haja empenho e compromisso da equipe. Em cinco anos já somos a maior sociedade interdisciplinar no Brasil, este sucesso explica-se pelos nossos propósitos objetivos e claros onde todos identificam-se e assistem ações efetivas.
JI- Como na prática a SOBRATI tenta mudar a UTI brasileira?
Toda mudança é cultural. Há diferença entre ensinar e educar. Somente transmitir o conhecimento técnico não ocorre a transformação, é preciso ir mais além, ou seja, é preciso educar. Educação é um processo longo e demorado, onde se fazem necessárias as correções pessoais sobretudo no aspecto ético e moral das pessoas, pois o conhecimento sem empenho ético não traduz a mudança, distorce a aplicação do saber. Desta forma é que pretendemos mudar, levando a mensagem de responsabilidade, do compromisso, evitando a transferência dos problemas pessoais ou da Unidade para terceiros, se não interrompido este processo, ficaremos a vida lamentando, olhando a estagnação e culpando a direção ou o SUS. É fundamental que façamos discussão da UTI para o menos favorecido socialmente, como a criança e o idoso da periferia que precisa e necessita da UTI Pública. Temos a consciência que as UTIs privadas devem estabelecer um mecanismo próprio ou auto-regulação, exercendo a qualidade até por exigências do mercado. Mas qual é a mola precursora do serviço público ? É gostar e comprometer-se com a idéia da Saúde para todos, é exercer a missão da saúde no alívio da dor e busca da cura para 50 milhões de excluídos socialmente em nosso país. Veja, não observamos discussões em congressos de como democratizar a UTI e de que forma fazer a UTI com brasileiros para brasileiros.
JI- O que significa para o Sr. o conceito interdisciplinar ?
Há confusão entre interdisciplinar e multiprofissional. A SOBRATI foi criada no conceito interdisciplinar, onde cada profissional exerce sua profissão de forma autônoma e com aplicação da sua ciência própria. A UTI é um grande encontro profissional onde no mínimo sete profissões trabalham juntas. Este é o conceito de "TERAPIA INTENSIVA", rompendo exclusividades e fortalecendo o papel e autonomia profissional. Somos contra qualquer forma de delegar atos profissionais exclusivos e inerentes de cada profissão para um único profissional, mesmo porque as profissões são estabelecidas por lei. Mas de encontro a interdisciplinaridade, os conceitos básicos da Terapia Intensiva, os protocolos conjuntos e que se encontram, o entendimento da fisiopatologia, do aspecto emocional, da política de qualidade, da monitorização ventilatória e hemodinâmica básica, são conceitos básicos e fundamentais "compartilhados". Profissional responsável sabe e reconhece seu limite, e a SOBRATI tem colaborado com os Conselhos de Classe para nortear estes trabalhos que são inerentes a modernidade e evolução das profissões. Somos a favor de todo avanço técnico.
JI- Como classificaria a Terapia Intensiva no aspecto técnico, científico e de Pesquisa?
A Terapia Intensiva é muito abrangente. Resulta do trabalho e dedicação de inúmeros profissionais de diversas profissões. Aglutina múltiplas ciências como a medicina intensiva, enfermagem intensiva, fisioterapia intensiva entre outras. Portanto representa uma ciência sem limites, de conceitos e práticas interligadas. A SOBRATI, como é referida na sua própria designação, veio para reforçar este conceito, ampliar e abranger de forma sistemática todo conteúdo e pesquisa deste universo tecnológico. Iniciamos uma nova era, onde há necessidade de distingui-la como nova ciência e tendo nova formação de professores nascidos neste objetivo e propósito. Reúne todos profissionais em um novo conceito.
JI- Como eram as UTIs e o que mudou ?
Em nossa pesquisa, três eras foram importantes: Era Florence (1855), Dandy (1926) e Safar (1950). Cada uma teve sua contribuição. A criação da SCCM, ou seja, Sociedade Americana de Terapia Intensiva em 1970, foi um importante e grande avanço mundial. No Brasil, 1980 a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, inicia um programa de certificações para médicos, esta vinculada a AMB e CFM. Houve uma demora muito importante para o Brasil absorver a tecnologia mundial, tendo como parâmetro a oximetria de pulso foi desenvolvida em 1974 no Japão, mas somente em 1990 começamos a ver oximetros nas Unidades Emergenciais. Os ventiladores volumétricos demoraram 20 anos para o uso "popularizado" pelos intensivistas brasileiros. Tudo a preço muito alto. Novamente temos a presença da industria nacional que pressionou o mercado e foi gradativamente diminuindo o preço final. Bird Mark-7, ausência de oximetria, bombas de infusão como raridade, leitos escassos, plantonistas inexperientes, ausência de fisioterapia, ausência de estratégia protetora, antibióticos limitados, resumia o óbito em 50% contrapondo com 20 % atuais ou até menos. Hoje temos uma Portaria Ministerial que regulamenta as UTIs, a cultura da especialidade é presente em todas as profissões, os protocolos vão se unificando e a tecnologia nacional vai bem, muito bem.
JI- Qual sua visão de futuro para as UTIS?
A UTI do futuro será a UTI humana, aberta onde o paciente pode exercer sua autonomia, decidir com os intensivistas qual o seu melhor tratamento ou mesmo se deseja estar na UTI. Sairemos do automatismo, teremos um local harmônico onde estará vigorando a ética da pessoa humana e todos exercendo o sentimento da grande família que somos e que devemos oferecer o carinho, amor e a dedicação com o próximo no leito hospitalar. Caberá a nova geração de intensivistas esta mudança, abandonando os conflitos da sociedade moderna quando estiver dentro do ambiente-UTI, o intensivista deve ser "blindado" em relação às agressões diárias, deve exercer sua profissão de forma alheia à vida cada vez mais dura e fria. Em relação a tecnologia avançamos num limite extremo, acredito em equipamentos cada vez mais portáteis, com interação e independência do paciente, seja em ventilações, infusões ou sedações. A informatização da UTI já é obrigatória. A enfermagem será cada vez mais o elo principal, havendo apenas enfermeiras (os), devendo as Sociedades Intensivas preocupar-se em fornecer e favorecer aos técnicos a chance de tornar-se enfermeiro, já que contribuem de forma espetacular e dedicada ao paciente crítico. Acredito que os Hospitais serão grandes UTIs, Centros de Reabilitação, na presença da Fisioterapia Intensiva efetiva mudando a qualidade de vida do paciente crítico. A psicologia será obrigatória, com profissional educado no conhecimento específico do universo-uti. A fonoaudiologia, a nutrição e os odontólogos podem e devem contribuir de forma fundamental para recuperação e qualidade de vida principalmente no ambiente emergencial.
JI- Por que muitos consideram essas idéias polêmicas?
Não são muitos, são minorias. Respeitamos o espaço democrático e discussões de idéias. Romper conceitos e talvez "preconceitos" faz parte da evolução social. Hoje o que é verdadeiro, amanhã poderá não ser. Devemos estar além do nosso tempo, já que no Brasil fazemos a Terapia Intensiva de alta qualidade, um modelo internacional. A questão não é se devemos mudar, mas que devemos e precisamos mudar e de que forma mudar. A SOBRATI tem uma proposta, alias já inúmeras vezes aberta a discussão com toda sociedade e com as Sociedades Intensivistas brasileiras e internacionais. Já nos apresentamos a todos presidentes das Sociedades Sul Americanas, discutimos nossos propósitos e tivemos um feed-back espantoso no sentido positivo. Em 2008 já estamos sendo convidados para discussões internacionais, sobretudo européias.
JI- Como fica o papel do médico na UTI atual?
O Conselho Federal de Medicina tem sido exemplar na sua atuação no sentido de favorecer a qualificação profissional, já que não tem autonomia para impedir avanço de cursos de graduação não qualificados. Atua fortalecendo a especialização profissionalizante dedicada, emissão e reconhecimento de Títulos de Especialistas aos médicos, apoio a criação da AMB, Associação Médica Brasileira, ampliação de presença e estágio profissional prático supervisionado no Hospital, são fatores que qualificam o médico que tem a responsabilidade técnica legal e ministerial em relação as UTIs. Vejo no médico intensivista um grande gestor de equipe em trabalho com coordenadores das equipes profissionais. Não há como, procedimentos invasivos, decisão medicamentosa entre outras prerrogativas são exclusivas do médico. Este aspecto é consensual entre os Conselhos de Classe. O que devemos é evoluir em discussões técnicas em câmaras setoriais entre os Conselhos para cada vez mais favorecer o livre exercício profissional inerente e consensual de cada profissão. Cabe aos Conselhos esta função. A SOBRATI deve nortear e diferenciar aspectos éticos dos legais, e ratificar decisões dos Conselhos no aspecto regulador profissional. Portanto o médico intensivista deve ter conhecimento amplo para tomada de decisões, deve respeitar as demais profissões e aceitar os profissionais com alto grau de conhecimento e que colabora na decisão conjunta. O assunto é tão delicado, que o médico intensivista só pode tomar decisões não emergenciais se autorizadas e compartilhadas com médico assistente, ou seja, não temos esta autonomia total.
JI- A SOBRATI já lhe tirou o sono ?
Tudo nesta vida tem um preço. Estou muito feliz e realizado. Acreditamos que estamos no caminho certo, temos um apoio muito grande dos profissionais brasileiros. Cada vez mais nos surpreendemos com inúmeros apoios. Não é fácil, principalmente no tocante a não favorecer o desvio ideológico, não deixando que vontades ou fraquezas humanas interfiram na Sociedade. Já assistimos muitas Sociedades esfacelarem em virtude de manipulações e interesses internos. Não escondemos que somos pouco maleáveis na nossa direção dos trabalhos. Não aceitamos desvios ideológicos, aceitamos integralmente o diálogo, porém exerço o papel do responsável e fundador e tenho a responsabilidade de conduzir como um pai o seu filho para o melhor caminho. Entendo que quem cria, conhece sua cria, e sabe nortear o caminho na direção da sua proposta.
JI- O que a SOBRATI já alcançou ?
Primeiro restabeleceu a idéia e conceito da "Terapia Intensiva" no Brasil. Trabalha para criar a UTI feita por brasileiros para brasileiros, abandonando protocolos internacionais muitas vezes empacotados que não refletem nossa realidade. Reconhece a importância da tecnologia mundial, das experiências externas. Mas traduzindo a SOBRATI, temos como principal missão a mudança educacional, frisando esta principal missão. Já formamos mais de 1000 intensivistas entre especialistas e professores. Criamos os Suporte Básico Intensivo que deu a chance de muitos profissionais terem acesso a conceitos atuais de PCR e DEA dentro da realidade brasileira e com custo acessível ou gratuito para Instituições públicas. Somos importante elo interlocutor com a sociedade, ficou muito claro nosso papel no episódio da TAM onde recebemos familiares, confortamos pais e irmãos, e demos respostas aos jornalistas esperando por profissionais técnicos para as explicações. Pudemos fazer nosso papel, já que treinamos gratuitamente a INFRAERO de Congonhas dois meses antes, nos habilitando para essa nobre missão. Isto é a SOBRATI, é a presença, a resposta imediata, a viagem longa cansativa que recompensa com o abraço forte do colega distante que compartilha com o mesmo propósito de fazer UTI de Qualidade, Democrática e Humana. Inúmeras viagens, palestras, congressos, reuniões, treinamentos, entrevistas, Revistas, TV e muito mais. Somos pura energia.
JI- Quais os seus planos para o futuro ?
Delegar cada vez mais a Sociedade a pessoas sérias, éticas, sem interesse pessoal e que possam nortear a Sociedade nos princípios que foi criada. Dirigir uma Sociedade do porte da SOBRATI não é fácil, ainda há discussões ideológicas, questões políticas pontuais que, no momento certo, estarei coordenando os trabalhos não tão de perto, para isto temos a figura importante estatutária do Presidente Fundador que é ouvido, toma decisões e tem a função da manutenção ideológica. Hoje, a SOBRATI tem jovens dedicados e sérios, uma nova geração ou "New Generation", gerenciamento é qualidade e não quantidade.
JI- O acusam muitas vezes de egocentricidade.
Id, ego e superego são estruturas do nosso esqueleto psíquico. Assumo meu ego como força motriz. O ego sem o uso da inteligência é vazio. Vigiar, evitar ego-trip, e buscar o reconhecimento das idéias são metas pessoais. Temos uma cultura que favorece a muitas críticas e poucos elogios. O Brasil escravizou milhões de seres humanos por 500 anos, talvez seja o país civilizado que mais perpetuou a escravidão no mundo. Temos uma pseudo-elite criada neste modelo, que não se importa com a favela, com a criança de rua, com o sofrimento de menos favorecido no corredor do hospital no aguardo de dias para ter acesso a um leito que pode salvar a sua vida. Neste processo desigual e injusto, temos muitas pessoas coniventes. Quando fazemos greve no serviço emergencial e essencial, onde nossos filhos são atendidos ? Em planos privados de saúde. Discutir egocentricidade é um "pormenor" diante da amplitude da nossa responsabilidade.
JI- A SOBRATI criou o CNI, qual a finalidade?
O CNI é um órgão apenas de apoio aos envolvidos com a UTI e Unidades Emergenciais, sejam profissionais ou acadêmicos, já que cabe aos Conselhos o apoio ético profissional e regulamentar. Colabora no apoio ao desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa, fortalece o ambiente de trabalho e procura nortear trabalhos conforme diretrizes da SOBRATI. É uma importante iniciativa e talvez pioneira. Procura aproximar e criar uma identidade entre os intensivistas, é um ponto de referência, já que a função da Sociedade é mais ampla.
JI- Quais seriam suas considerações finais para o Jornal do Intensivista e nossos internautas?
A SOBRATI tem na sua data de fundação, 25 de dezembro, nosso Dia oficial, o "Dia do Intensivista Brasileiro", um momento da lembrança da humildade, do sofrimento das pessoas, da esperança, da vida, da solidariedade e da paz. Antes de profissionais somos pais, esposos e esposas, irmãos e irmãs, amigos e amigas. A profissão é um complemento em nossas vidas, ser profissional ou professor é exercer antes de tudo a prática dentro dos nossos lares. Como diria o grande músico Gonzaguinha: Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Seja você por completo, busque o que tem de melhor em você, faça o melhor de si, olhe para você e busque a sua felicidade na simplicidade e nas pessoas que te amam. A vida esta acima de disso tudo.
Para Contatos com o Presidente da SOBRATI: sobrati@uol.com.br