Médico pode limitar ajuda a doente terminal

Jornalista da Folha de S.Paulo,
mestre em história da ciência pela
PUC de São Paulo.

http://claudiacollucci.blog.uol.com.br/

CLÁUDIA COLLUCCI
Enviada especial da Folha de S.Paulo a Brasília - 10/11/2006 - 09h04

O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou ontem resolução que permite ao médico suspender tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida de doentes terminais e sem chances de cura --desde que a família ou o paciente concorde com a decisão, que deve constar no prontuário médico.

A norma, aprovada por unanimidade em plenária do CFM, vale para médicos de todo o país. Mas ela só tem efeito interno, isto é, não isenta o profissional de ser responsabilizado criminalmente.

A polêmica é grande. Em 2005, o Ministério Público e a OAB condenaram medida semelhante proposta pelo conselho médico de São Paulo por entender que era eutanásia, prática ilegal pela qual se busca abreviar a vida de um doente incurável. Nesse caso, o médico pode ser processado por homicídio privilegiado.

Para os médicos, a resolução trata da ortotanásia, o ato de cessar o uso de recursos que prolonguem artificialmente a vida quando não há mais chances de recuperação. Exemplo: um doente terminal de câncer sofre uma parada cardíaca. Hoje, o médico tenta reanimá-lo e o coloca em respirador artificial na UTI. Se o rim entrar em falência, por exemplo, será submetido à diálise peritonial.

A idéia é que, a partir de agora, esse paciente não seja "ressuscitado". Ele receberá analgésicos, sedativos e todos os cuidados para que não sinta dor, mas não terá sua vida prolongada por meio dos recursos tecnológicos de uma UTI.

Para Clóvis Francisco Constantino, vice-presidente do CFM, não há perigo de as pessoas confundirem a medida com eutanásia. "Nós somos absolutamente contra a eutanásia, não só porque é eticamente condenável, mas também porque, no nosso país, não é permitida. Eutanásia significa deliberadamente provocar a morte. Obviamente que nem o paciente, nem a família e nem nós, médicos, queremos isso."

Para Constantino, a resolução é "doutrinária". "Ela doutrina o médico no sentido de fazê-lo entender que existe um momento em que não é possível fazer mais nada em benefício do paciente. Que qualquer coisa que prolongue a vida só vai causar sofrimento", diz.
O médico Roberto D'Ávila, corregedor do CFM, reforça: "O paciente não será jamais abandonado".

Segundo José Eduardo de Siqueira, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, a resolução encerra um dilema ético. "Os médicos, sobretudo os intensivistas, estão reféns hoje de uma situação cruel: não ter amparo e não saber quando interromper um tratamento de um doente grave e incurável."

Siqueira explica que a tecnologia avançou de "maneira extraordinária", mas desguarnecida de reflexão ética.

"Na grande maioria das UTIs, vemos doentes morrendo com agonia, com sofrimento. Essa resolução vai permitir que o médico reconheça: "Pronto, não há mais técnica que vá resolver esse problema". É uma decisão moral e agora eles estão permitidos a isso", diz Siqueira.

A médica Maria Goretti Maciel, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, concorda: "Foi uma vitória imensa para a medicina brasileira. O médico tem medo. Acha que todo final de vida tem que ser numa UTI. Ele agora sabe que pode dar um tratamento que vise ao conforto do paciente, um final de vida digno". Na avaliação dela, a sociedade deve apoiar a resolução. "Ninguém quer ver seu familiar sofrendo, passando dor. Ninguém quer vê-lo morrer sozinho na UTI. A morte tem que ser encarada como algo natural da vida."

A partir do próximo ano, o Ministério da Saúde deve implantar um programa nacional de cuidados paliativos e controle de dor. A idéia é que o conceito seja adotado em todo o sistema, das equipes de médico da família até os hospitais de grande complexidade. Já o CFM vai regulamentar os serviços de cuidados paliativos, determinando, por exemplo, quais drogas devem ser usadas para analgesia, sedação e para conforto do paciente terminal.
 

ENTREVISTA - POSIÇÃO DA SOBRATI

FOLHA - Sexta-Feira - 10 de Novembro de 2006

Médicos apóiam resolução do CFM; OAB fica dividida

" .... O presidente da Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva, Douglas Ferrari, elogiou a decisão do CFM, mas defendeu um aprimoramento do texto da resolução. Segundo ele, o uso da palavra "suspender" pode dar a entender que os médicos poderão interromper tratamentos a que o paciente é submetido - exemplo, retirar um antibiótico. Na verdade, afirma, o Conselho apenas respaldou o que os médicos já fazem em todas as UTIs do Brasil: não insistir em novas terapêuticas, como uma nova cirurgia, um novo remédio que só trariam mais desconforto ao doente e não mudariam sua condição de saúde ... "

Resolução é um crime, diz promotor: Para o presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-SP, Erickson Gavazza Marques, os médicos que seguirem a nova resolução do CFM poderão responder a pprocesso criminal. ( FOLHA )

Norma acaba com a tortura, afirma médico: O médico Roberto D´Àvila, corregedor do CFM, afirma que a resolução acabará com a "tortura" a q que pacientes terminais são submetidos na UTI. Ele diz que, durante a elaboração da medida, recebeu apoio de representantes do Ministério Público e do judiciário. ( FOLHA).

Íntegra: Folha - Ortotanasia >>

Planos de saúde elogiam decisão sobre doente terminal

FOLHA - 11/11/2006

A resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que permite aos médicos limitar tratamentos que não trariam ganhos a doentes terminais poderá reduzir custos do sistema de saúde. Não há dados sobre quantas pessoas que, em situação terminal, ainda estão sendo submetidas insistentemente a novos recursos terapêuticos inócuos, mas sabe-se que quanto mais sofisticado o tratamento, mais caro.

Segundo Arlindo Almeida, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), que reúne as principais operadoras de planos de saúde do país, a resolução ajuda na solução de um problema crucial. "Muitas vezes se prolonga a vida, a vida em termos, o estado terminal, e não há muito sentido", afirmou.

Almeida reconhece que o aspecto econômico da resolução também é importante, pois poderá haver queda de custos desnecessários. "Não quero que achem que seja economicamente importante, apesar de ser." E destaca que as operadoras hoje mantêm pacientes terminais "a custo muito alto e sem problema nenhum". O dirigente afirmou que a associação não participou da discussão sobre a resolução.

O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) não vê riscos de a resolução prejudicar usuários de planos e seguros de saúde --hoje 42,4 milhões de beneficiários.

"A idéia da resolução é humanizar, garantir dignidade", afirma Daniela Trettel, advogada do instituto. Daniela destaca que distorções praticadas pelas empresas de planos no atendimento, como eventuais recusas de tratamento, já ocorrem hoje.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar não se manifestou. O Ministério da Saúde informou que formará na semana que vem um grupo para estudar a resolução e seu impacto sobre o atendimento.

Em nota, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se colocou favoravelmente à ortotanásia. Citando uma encíclica do papa João Paulo 2º, afirma que a prática, feita com "sério discernimento", representa "a aceitação da condição humana diante da morte".

17/11/2006 - 10h28

Procurador quer revogar permissão à ortotanásia

CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo

O Ministério Público Federal de Brasília ameaça pedir a revogação da resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que permite aos médicos suspender tratamentos e procedimentos usados para prolongar a vida de pacientes terminais e sem chances de cura.

O primeiro passo ocorreu na última terça, quando a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal instaurou um processo administrativo por meio do qual estudará medidas para contestar a resolução na Justiça.

Aprovada há uma semana por unanimidade pela plenária do CFM, a resolução trata da ortotanásia, o ato de cessar o uso de recursos que prolonguem artificialmente a vida quando não há mais chances de recuperação. A decisão só vale se o paciente ou o seu responsável concordar com a medida.

Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão Wellington Marques de Oliveira, a resolução do CFM é um "atentado ao direito à vida". Ele afirma que a ortotanásia, assim como a eutanásia, é considerada homicídio pelo Código Penal. "É inadmissível que se deixe à livre vontade de médicos e parentes atenuar o sofrimento de qualquer ser humano", diz.

A resolução não isenta o profissional de ser responsabilizado criminalmente. A menos que o anteprojeto do Código Penal, que está na CCJ (Comisão de Constituição e Justiça), regulamente o assunto.

Na avaliação do corregedor do CFM, Roberto D'Ávila, a interpretação do procurador é um "equívoco". "Em vez de adotarmos tratamentos fúteis, estamos priorizando o paciente. Em hipótese alguma ele será abandonado ou prejudicado."

Segundo ele, o médico poderá propor duas opções de tratamento ao doente terminal: continuar com as terapias inúteis que causam sofrimento ou adotar os cuidados paliativos que trazem mais conforto.

"Não podemos nos prender a formalismos legais. Não somos donos do doente. Ele tem o direito de optar entre prolongar a vida de forma inútil ou continuar tendo todo apoio e cuidado até o seu fim, porque a morte é inevitável", diz D'Àvila.

O médico José Maria Orlando, presidente da Amib (associação de medicina intensiva), tem a mesma opinião. "Não é possível que em pleno século 21 continuemos com um Código Penal de 1947, quando nem se sonhava com os equipamentos de suporte à vida aos doentes graves. Da mesma forma que eles salvam vidas, eles também as prolongam inutilmente.

Para Orlando, chegou o momento de a sociedade brasileira debater sobre a terminalidade da vida e defender a descriminalização da ortotanásia. "A ortotanásia não deve ser confundida com eutanásia. Estamos falando de uma situação em que a morte é irreversível e iminente e em que todos os recursos já foram esgotados."

Em nota, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se colocou favoravelmente à ortotanásia. Citando uma encíclica do papa João Paulo 2º, afirma que a prática, feita com "sério discernimento", representa "a aceitação da condição humana diante da morte".