Moderna
tecnologia revoluciona exame
para medir a pressão intracraniana
Fapesp
investe R$ 500 mil para produzir o monitor em escala comercial; aparelho
chegará ao mercado brasileiro em 2010
A
equipe de pesquisadores coordenada pelo professor Sérgio Mascarenhas,
diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP de São Carlos, criou
aparelho não-invasivo para medir a pressão intracraniana tanto de
pessoas como de animais. Já patenteado, o equipamento facilita exames
em portadores de hidrocefalia e em vítimas de traumas cranioencefálicos
(batidas na cabeça).Batizado de Monitor de Pressão Intracraniana, o
dispositivo de uso médico foi desenvolvido nas unidades da USP de São
Carlos, Ribeirão Preto e Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
É uma criação do professor Sérgio em conjunto com os doutorandos
Wilson Seluque (bioengenheiro) e Gustavo Frigieri (farmacêutico-bioquímico),
também alunos das instituições.A Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp) investiu R$ 500 mil para a empresa Sapra
Assessoria, de São Carlos, produzir o monitor em escala comercial. O
equipamento chegará ao mercado brasileiro em 2010 e poderá ser
exportado para Europa e Estados Unidos assim que obtenha patentes nestas
localidades.
Tecnologia sem fio
No exame
convencional, o médico faz um orifício de cinco centímetros de
profundidade na cabeça do paciente para medir a pressão. Com o novo
monitor o exame não é invasivo e diminui o trauma cirúrgico, a dor e
o risco de infecções e outras complicações médicas.O equipamento
recebe as informações enviadas por um sensor colocado na pele da cabeça
do paciente. O referido chip embutido mede o
valor da pressão interna no cérebro e transmite, sem fios, a informação
para um receptor concectado a um computador.O monitor analisa o volume
do líquor (líquido cefalorraquidiano), substância que reveste e
protege o sistema nervoso central contra choques. E também considera a
concentração de sangue e a massa cerebral, outros fatores de risco.
Uso
doméstico
O
segredo por trás dessa moderna medição é um sensor de deformação
de dimensões no interior do chip. A inspiração
veio de aparelhos de engenharia usados para monitorar a presença de
rachaduras em paredes e lajes em construções.Fácil de operar para o médico,
o monitor também pode ser usado por enfermeiros e equipes de resgate. A
idéia é, no futuro, possibilitar o uso doméstico do aparelho e
prestar socorro rápido em caso de elevação da pressão intracraniana:
o valor normal é entre 10 e 15 milímetros de mercúrio; valores entre
20 e 30 são perigosos e acima de 30 podem levara a pessoa à morte.
A expectativa
inicial é utilizar o monitor em exames de acompanhamento em portadores
de doenças crônicas, como a hidrocefalia, e pacientes com risco de
aumento na pressão intracraniana - hemorragias, edemas, tumores e infecções.Outro
uso é acelerar diagnósticos em vítimas do trânsito com pancadas na
cabeça e região cervical, como motociclistas e pedestres atropelados.
A tecnologia inédita no País trará, ainda, economia para o Sistema Único
de Saúde (SUS), pois o custo do sensor subcutâneo é R$ 300, ao passo
que o exame tradicional sai por R$ 2,5 mil.
Sintomas
da hidrocefalia
Em
crianças pequenas o aumento da pressão intracraniana provoca
irritabilidade, amplia o tamanho do crânio, choro fácil e recusa de
alimentação. Em crianças um pouco maiores e em adultos causa dor de
cabeça, alterações visuais, náuseas e vômitos. Todos os sintomas são
comuns em portadores de hidrocefalia - doença que pode ocorrer em
qualquer fase da vida do paciente, porém com maior incidência em recém-nascidos
e lactentes.A hidrocefalia é causada pelo acúmulo de líquor no
interior da cavidade craniana. Não tem cura e o tratamento requer
acompanhamento periódico da pressão e cirurgia, que consiste em
instalar um tubo fino (cânula) com uma válvula em sua extremidade no
interior do cérebro do paciente.Então, a cânula começa a eliminar o
excesso do líquor através de um duto subcutâneo que passa pelo pescoço
e leva à cavidade abdominal, onde é metabolizado.
O
paciente inventor
Em 2005, o
professor e criador do Monitor de Pressão Intracraniana, Sérgio
Mascarenhas, começou a sentir tonturas e dificuldade para caminhar.
Tinha 77 anos e recebeu diagnóstico de mal de Parkinson. No entanto,
por não reagir ao tratamento e com risco de morte, foi aconselhado a
consultar-se com o neurorradiologista Antônio Carlos Santos, seu
ex-aluno e docente da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto.Um
exame de ressonância nuclear magnética ajudou o especialista a dar o
diagnóstico correto da doença: hidrocefalia. Então, recomendou ao
paciente cirurgia e controle da pressão intracraniana pelo sistema de válvula
e cânula.Realizado esse procedimento (cirurgia para implantar dreno na
cabeça) passou a conviver com um reservatório no abdômen para desviar
o excesso de líquor existente no crânio.Durante a convalescença, Sérgio
participou da festa de aniversário de um de seus netos. Ao observar um
convidado enchendo uma bexiga (balão de borracha), associou o
crescimento do volume do brinquedo à expansão do cérebro de um
portador de hidrocefalia. No retorno ao trabalho, refez no laboratório
a brincadeira e colocou a bexiga dentro de um crânio
humano.Os passos seguintes eram encontrar meios para monitorar a
pressão interna da bexiga sem perfurar o crânio e depois desenvolver o
equipamento. Aí entraram em cena seus doutorandos."A finalidade do
equipamento é aliviar o sofrimento do doente crônico, que precisa
fazer exames periódicos. Antes de desenvolver a doença, nunca tinha
pesquisado o assunto. Mas como a missão de todo professor universitário
é passar adiante o bastão do conhecimento para a próxima geração,
fiz a minha parte", comemora Sérgio exibindo o monitor
desenvolvido por ele e seus doutorandos.
Salvo
pelo amigo
Nos anos 1960, o
professor Sérgio Mascarenhas coordenava pesquisas nas áreas de Biofísica
Molecular e Física Médica no Instituto de Física de Trieste, no
nordeste da Itália. Foi para lá a convite de um amigo, o prêmio Nobel
paquistanês e Físico Teórico Abdus Salam, um dos primeiros a
incentivar pesquisas científicas de alto nível em nações pobres e a
formar recursos humanos com esta finalidade nos países em
desenvolvimento.Um dia, Sérgio convidou o jovem médico Antonio Carlos
Santos (formado pela USP de Ribeirão Preto) para estagiar em Trieste.
Neurorradiologista, Santos queria conhecer a tecnologia da ressonância
nuclear magnética (na época só disponível no exterior) e também
passar a operar o aparelho usado nos exames, que não havia no Brasil e
custava US$ 1,5 milhão.Sérgio conseguiu a inscrição do médico no
curso de Física Médica, do qual era diretor em Trieste. No entanto,
jamais imaginou que um dia seria salvo por esse mesmo jovem.
Rogério
Silveira
Da Agência Imprensa Oficial
Crédito fotos: Fernandes Dias Pereira
Reportagem
publicada originalmente na página III do Poder Executivo do Diário
Oficial do Estado de SP do dia 18/11/2008.