Repórter vive dia em UTI de hospital - Bom Dia - S. J. Rio Preto

Em duas horas, a repórter Ana Carolina Leal pôde conhecer a rotina de enfermeiros e médicos


Não foi preciso permanecer muito tempo dentro de uma UTI no Hospital de Base de Rio Preto para perceber que o trabalho nessa unidade exige vocação, dedicação e disciplina emocional. Foram necessárias somente duas horas para conhecer um pouco da rotina dos profissionais e da luta pela vida dos pacientes.

São vítimas de pós-operatório, acidentes, complicações neurológicas e doenças clínicas como pneumonia, entre outras enfermidades. É impressionante como a tragédia na vida de outras pessoas serve de lição para as que as rodeiam.

Foi essa a sensação que tive quando olhei para um dos 44 pacientes internados na UTI do Convênio e SUS (Sistema Único de Saúde) do 7º andar do HB. Os problemas se tornaram insignificantes perto da gravidade de cada um deles.

O que é um conflito familiar ou uma dúvida profissional quando na sua frente há um ser humano lutando pela vida? Nada. Fiquei aliviada quando a enfermeira Paula Cibeli Oporine Oliveira disse que um rapaz de 21 anos, internado na ala mais grave da UTI (Unidade de Terapia Intensiva), voltaria para casa.

Achei estranho meu sentimento, uma vez que não conheço o paciente. Ele quebrou a perna, o quadro clínico se agravou e a infecção atingiu o sangue. O jovem já respira sem ajuda de aparelho e está consciente. Por questões profissionais não pude colocar "a mão na massa" e sentir na prática como é lidar com esses pacientes, invariavelmente graves.

Mas observá-los foi o suficiente para admirar os profissionais que dedicam parte da suas vidas aos cuidados.


‘Desafiei minha insegurança e o medo’

Na UTI do SUS, um senhor de 63 anos é o paciente internado há mais tempo. Ele deu entrada na unidade no dia 26 de março. Sedado, inconsciente, respirando com ajuda de aparelhos e totalmente mobilizado. É assim que o paciente se encontra.

É difícil olhar para qualquer um dos doentes e não imaginar que um deles poderia ser meu pai, minha mãe, irmão ou namorado. Pisar nesse ambiente foi desafiar minha insegurança, minha fraqueza e o medo de enfrentar a morte, que para mim é um tabu.

Sobre o paciente, a médica residente Renata Okabl, 27 anos, disse que, a princípio, ele estava tratando de uma pneumonia grave em uma unidade de saúde. Os medicamentos, antibiótico e antiflamatório, seriam de uso domiciliar. “Ele começou a sentir dores abdominais e procurou o HB. Foi constatada hemorragia digestiva alta.”

Segundo a médica, o paciente passou por uma cirurgia e retirou parte do estômago que estava com uma úlcera sangrando. Desde então, o quadro clínico teria evoluído em ventilação mecânica aliada à pneumonia, além de uma seqüela neurológica. "Por enquanto estamos tratando dessas complicações."

Esse senhor divide a ala da UTI do SUS com mais 23 pacientes. A mais jovem tem 29 anos. Ela está internada para tratar de um aneurisma. Nenhum dos doentes tem data prevista para sair do Hospital de Base. Alguns falam e reconhecem a família, enquanto outros estão inconscientes.


É difícil sentir frieza na unidade

Na UTI do Convênio, um paciente me chamou a atenção. Ele dormia profundamente rodeado por aparelhos e soros. Próximo de sua cabeça havia um ursinho de pelúcia. Fiquei intrigada com a presença do objeto, até o momento em que a enfermeira disse que era presente dos seus filhos.

O paciente tem 38 anos e trata de uma pancreatite grave. Pela idade, imagino que seus filhos sejam jovens ou até crianças. É difícil sentir frieza ao saber que os filhos desse paciente sofrem com a doença do pai, mesmo sem conhecê-los.

A enfermeira Saskia Elisa Wigman, 24, diz que, com o tempo, os profissionais se acostumam e conseguem driblar os sentimentos. Saskia diz que no começo é mais difícil evitar o envolvimento. “Aos poucos aprendemos a lidar com a tristeza e a angústia”, revela.

Mas morte de uma menina de 16 anos por leucemia a deixou abalada. "Tentamos de tudo para mantê-la viva, mas não foi possível."


‘Final feliz independe de nossa vontade’
Um rapaz de 17 anos, vítima de acidente. Esse foi o caso que mais marcou a vida da enfermeira Sônia Portela de Abreu, 40 anos. Ela exerce a profissão há 16 anos, e há 12 trabalha na UTI do SUS do Hospital de Base.

O jovem ficou internado três meses. “Toda vez que ele ia para o centro cirúrgico criava-se a expectativa de vê-lo novamente, já que tínhamos a impressão de que ele não voltaria mais.”Depois de arriscadas cirurgias, o rapaz recebeu alta.

“De vez em quando ele vem nos visitar. Para nós é a maior satisfação. É bom saber que aquele paciente que você ajudou a cuidar ganhou uma nova vida.”Segundo ela, a UTI é um local onde o paciente encontra mais recursos para voltar a ter uma vida normal.

“Quando chega um paciente, penso que ele vai se restabelecer. Mas um final feliz, às vezes, independe da nossa vontade.”