Teve início em abril o
processo da revalidação do título de especialista do médico,
determinado por resolução do Conselho Federal de Medicina. Isso tem
provocado importante repercussão no meio médico, com todos os seus
desdobramentos, e cremos que algumas reflexões devam ser feitas sobre o
assunto.
Cerca de metade dos médicos do nosso país possui título de
especialista. Eles estão distribuídos em 53 especialidades e constituem
a porção mais preparada da classe médica brasileira em termos
assistenciais. O referido título, obtido ao final da residência médica
ou por concurso nas sociedades de especialidades médicas e Associação Médica
Brasileira, confere ao médico um reconhecimento da sua competência em
determinada área do conhecimento, como cardiologia, endocrinologia e
todas as outras especialidades reconhecidas. Ele costuma ser obtido, na
maioria dos casos, nos primeiros anos de prática médica, e a partir daí
o médico passa a exercer a sua especialidade até o fim da carreira.
É notório que o conhecimento médico cresce
vertiginosamente e que aumentou em mais de sete vezes nos últimos 20 anos.
Quem se formou antes da década de 80 nunca tinha ouvido falar em Aids,
simplesmente porque a doença não era conhecida e qualquer conhecimento
obtido por esses colegas, desde então, veio de estudos posteriores e
continuados. E isso ocorre em todas as especialidades médicas. Há
informações surgindo a todo momento, drogas e medicamentos recém-descobertos,
novas formas de diagnóstico e tratamento -o que obriga a uma permanente
atualização para benefício do atendimento ao paciente.
Hoje em dia, em praticamente todo o mundo, esse assunto vem sendo
discutido e está ficando muito clara a necessidade de realizar uma
atualização efetiva e constante. A revalidação
do título de especialista é uma das maneiras de estimular essa atualização.
Embora a necessidade de estudo e aperfeiçoamento constantes seja
inquestionável, existe resistência por parte de alguns colegas nessa matéria.
É notório que os médicos, na sua maioria, têm pouco tempo para
estudar, em função da sua árdua jornada e de seus vencimentos
limitados. A participação em cursos, simpósios e congressos tem custo
elevado não só pelo valor das inscrições mas também das despesas com
passagem, hospedagem e manutenção em centros distantes da sua residência.
Entre os médicos mais jovens, mais afeitos ao estudo, a resistência é
menor do que entre os graduados há mais tempo, pois estes imaginam que a
prática constante e a experiência compensam a falta de atualização
formal.
Medicina é profissão na qual o aprimoramento está estreitamente ligado
ao melhor atendimento e a um melhor modelo assistencial. É
claro que a revalidação periódica de títulos obtidos no passado não
é a única nem a mais eficiente forma de preparar melhor o médico.
Ela faz parte de um conjunto de medidas que inclui não
só uma adequada educação continuada após a graduação mas também uma
boa formação nas escolas médicas. Infelizmente essa etapa
fundamental na formação tem deixado muito a desejar, e a maior parcela
de culpa recai sobre a abertura indiscriminada de faculdades de medicina,
muitas sem a menor condição de formar profissionais qualificados. Este,
entretanto, é um assunto que tem sido muito discutido e poderemos voltar
a ele em ocasião mais oportuna.
O tema, nos moldes em que está sendo proposto, tem como principal
finalidade criar o hábito do estudo continuado e está baseado em sistema
de créditos que o médico vai acumulando ao longo de cinco anos, ao final
dos quais, tendo atingido a pontuação mínima, seu título estará
automaticamente revalidado. Esses créditos poderão ser obtidos com a
participação em cursos, simpósios e congressos, ou a realização de
trabalhos científicos, entre outras atividades. Para ter uma idéia mais
aproximada, quem comparecer a pelo menos um congresso nacional da sua
especialidade anualmente conseguirá somar a maioria dos pontos necessários
para a revalidação do seu título ao final de cinco anos.
Pretende-se, ainda, que esses créditos possam também
ser totalmente obtidos em eventos desenvolvidos no Estado ou região geográfica
do domicílio do médico, sem grandes deslocamentos, e ainda por
educação à distância, inclusive com o recurso da internet e canal de
TV para o acompanhamento de cursos dentro da sua residência ou consultório.
Caso, ao final dos cinco anos, o médico ainda não tenha acumulado a
pontuação necessária, haverá a possibilidade de prova para a revalidação.
Por fim, cremos que a classe tem uma oportunidade ímpar de dar um exemplo
de preocupação com a qualificação continuada de seus pares. Caberá
aos próprios médicos e às sociedades de especialidade conduzir bem esse
processo. Valorizá-lo, por um lado, e torná-lo acessível, de
baixo custo e competente, por outro, são os desafios futuros. Os nossos
pacientes agradecerão.
Eleuses Vieira de
Paiva, 52, médico especialista em medicina nuclear, é presidente da
Associação Médica Brasileira. Fabio Biscegli Jatene, 50, médico
especialista em cirurgia cardiovascular e torácica, é diretor científico
da Associação Médica Brasileira.
Fonte: Folha de S.Paulo,
edição de 05/05/2005
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