UTI TROMBOSE VENOSA PROFUNDA - TVP
Antonio Claudio do Amaral Baruzzi, Amit Nussbacher, Sofia Lagudis, José
Augusto Marcondes Souza
Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo,SP.
A profilaxia da trombose venosa profunda (TVP) é muito importante porque é a principal causa da embolia pulmonar (EP). Na maioria das vezes, a TVP é assintomática e sua primeira manifestação clínica pode ser o tromboembolismo pulmonar (TEP), por vezes fatal. Apesar da comprovada eficácia da profilaxia, quanto à prevenção do TEP, esta ainda tem sido pouco utilizada, mesmo em hospitais do primeiro mundo. Goldhaber e col 1 estimaram que somente 30% dos pacientes hospitalizados e de risco para TVP recebiam profilaxia adequada no Brigham and Women's Hospital, de Boston (EUA).
Nos Estados Unidos, a TVP é responsável por 300.000 a 600.000 internações/ano, sendo que o TEP causa ou contribui para a morte em 12% dos pacientes hospitalizados. Dados pouco conhecidos em nosso meio 2.
Os métodos de profilaxia, farmacológicos ou não-farmacológicos, devem ser individualizados e aplicados, conforme o grau de risco para TVP. Mesmo após a alta hospitalar, deve ser mantida entre os que ainda apresentam algum risco de TVP.
Os trombos são compostos por fibrina e elementos figurados do sangue e podem se formar no sistema arterial, venoso, coração e na microcirculação. Os arteriais formam-se num sistema de alta pressão e fluxo e compõem-se, principalmente, de plaquetas e fibrina. Os venosos formam-se em áreas de estase, são ricos em hemácias, fibrina e pobres em plaquetas.
A análise do trombo demonstra linhas claras (camadas de plaquetas e fibrina), interpostas com linhas escuras (camadas de eritrócitos), denominadas de estrias de Zahn 3. A ativação da cascata da coagulação é o mecanismo principal da patogênese da TVP, sendo a ativação plaquetária menos importante, justificando a ação mais benéfica dos anticoagulantes, tanto na profilaxia quanto no tratamento, mais do que os antiagregantes plaquetários. O plano valvar do sistema venoso profundo dos membros inferiores é o local onde geralmente inicia a sua formação. A extensão do trombo ocorre na direção do fluxo sangüíneo pela deposição de sucessivas camadas, entretanto, os seus segmentos flutuantes proximais podem se fragmentar com risco de embolização para os pulmões.
A maioria dos trombos dos membros inferiores localiza-se nos vasos distais (abaixo da veia poplítea), porém, podem se propagar para os segmentos proximais (veia poplítea, femoral, ilíaca, cava). Os principais sinais e sintomas da TVP são: 1) os inflamatórios da parede do vaso (dor à palpação e dorsiflexão do pé - sinal de Homans, dor à compressão da panturrilha pelo esfigmomanômetro - sinal de Lowenberg); 2) edema pela estase venosa e 3) os embólicos pela fragmentação do trombo.
O termo flegmasia alba dolens refere-se a palidez e edema do membro causada pela associação da trombose venosa ileofemoral e espasmo arterial. O edema pode aumentar de intensidade e placas azuladas surgem na pele. Flegmasia cerulea dolens é aplicada ao caso raro de marcado edema e cianose do membro inferior devido a trombose ileofemoral. A cianose é secundária a severidade da oclusão venosa, envolvendo, geralmente, os vasos da coxa, veia safena e comunicantes. O edema pode ser de tal intensidade que impede o fluxo arterial e causa isquemia. A apresentação é dramática, com dor, cianose, edema e petéquias hemorrágicas, com elevada morbidade e mortalidade 4.
O diagnóstico diferencial da TVP inclui, por exemplo, dor de origem músculo-esquelética, cisto inflamatório poplíteo (cisto de Baker), afecções linfáticas e tromboflebite. Trombos isolados das panturrilhas são geralmente assintomáticos. Se não tratados, 20 a 30% podem se estender para os vasos mais proximais, com risco de TEP (fig. 1).
A principal fonte embolígena são os vasos venosos profundos da coxa, pelvis e poplíteo (vasos do sistema cava inferior), seguida da câmara cardíaca direita e vasos oriundos da veia cava superior (fig. 2).
As duas principais complicações da TVP são a EP e a síndrome pós-TVP, cuja maior seqüela é a hipertensão venosa, secundária à obstrução venosa residual e insuficiência valvar. Esta, geralmente, decorre da lise ou recanalização incompleta do trombo e se desenvolve ao longo de vários meses e pode se desenvolver mesmo em segmentos venosos não diretamente envolvidos no processo trombótico, sugerindo que o mecanismo pela qual a insuficiência valvar ocorre pós-TVP, não é conseqüência apenas do efeito físico do trombo sobre a valva.
A incidência da insuficiência valvar é muito reduzida naqueles indivíduos que apresentam lise precoce do trombo, o que contribui para preservar a função valvar, do contrário, a persistência da obstrução aumenta sua gravidade. Outra complicação da TVP é o TEP, responsável por elevado número de óbitos 2.
Se a restauração da circulação pulmonar for parcial, haverá risco de evolução para hipertensão pulmonar (HP) crônica, cuja sobrevida será reservada em 10 anos. O uso de trombolíticos no TEP poderá promover a lise do trombo e restabelecer a circulação pulmonar com conseqüente redução da HP e melhora da função do ventrículo direito. Além disso, a sua ação sobre os trombos venosos profundos poderá também reduzir os riscos da síndrome pós-TVP 5-7.
Dentre os fatores de risco, já citados, quando associados, podem ter efeito sinérgico com aumento de risco para TVP. Em unidades de terapia intensiva, por exemplo, a associação de politrauma, cirurgia de grande porte e lesão vascular é de alto risco para TVP e evolução para TEP. A classificação do risco conforme os fatores predisponentes 8,9 estão na tabela I.
Todo paciente de risco para TVP e TEP deve receber alguma forma de profilaxia, que pode ser feita através de medidas farmacológicas, não farmacológicas ou associação de ambas 10-16.
Meias elásticas - As meias de compressão gradual, 18mmHg nos tornozelos, 14mmHg nas panturrilhas, 8mmHg no joelho e 10mmHg na porção distal da coxa e 8mmHg na proximal produz aumento de 36% na velocidade de fluxo da veia femoral. Quando a compressão é uniforme de 11mmHg, este aumento é de apenas 10%. Entre os pacientes de baixo risco, reduz a freqüência de TVP em mais de 50% se comparado com aqueles sem profilaxia. Seu uso precoce associado a deambulação e a movimentação dos membros inferiores é a primeira medida profilática a ser adotada entre os pacientes hospitalizados.
Risco baixo | Risco moderado | Risco alto | |
---|---|---|---|
Cirurgia geral | Idade <40 anos | Idade >40 anos | Idade >40 anos |
Duração <60min | Duração >60min | duração <60min + fator de risco adicional(TVP ou TEP prévio, tumor extenso) | |
Cirurgia ortopédica | - | - | Artroplastia joelho ou quadril |
Trauma | - | - | Lesões extensas partes moles, fraturas osso longo ou múltiplas, politrauma |
Condição clínica | Gravidez | IAM, ICC, DPOC, DM descompensado, AVCI, puerpério, antecedente de TVP/TEP | Acidente vascular cerebral, paralisia dos membros |
% de evento tromboembólico (sem profilaxia) TVP distal | 2 | 10-40 | 40-80 |
TVP proximal | 0,4 | 2-8 | 10-20 |
TEP sintomático | 0,2 | 1-8 | 5-10 |
TEP fatal | 0,002 | 0,1-0,4 | 1-5 |
IAM- infarto agudo do miocárdio; ICC- insuficiência cardíaca congestiva; DPOC- doença pulmonar obstrutiva crônica; DM- diabetes mellitus, AVCI- acidente vascular cerebral isquêmico; * o risco está aumentado quando associado: idade maia elevada, obesidade, repouso no leito prolongado, varizes, uso de estrógeno.
Compressão pneumática intermitente - A compressão do membro inferior pela insuflação seqüencial de cuffs: 35, 30 e 20mmHg, respectivamente, no tornozelo, joelho e coxa aumentam em 240% a velocidade de fluxo na veia femoral. Quando somente uma câmara é utilizada, no tornozelo, com pressão de 35mmHg por 12s, este aumento é de 180%. O tempo de clareamento do contraste da venografia é oito vezes menor quando comparado ao de compressão seqüencial. Há evidências que esta modalidade de profilaxia aumente a atividade fibrinolítica endógena.
Filtro de veia cava inferior - Indicado em situações especiais, por exemplo, naqueles com contra-indicação para profilaxia farmacológica e com alto risco de TEP. O portador de fratura ortopédica com fenômeno tromboembólico recente e necessidade de tratamento cirúrgico, pode se beneficiar do mesmo. É medida eficaz na prevenção do TEP e não atua sobre a cascata da coagulação. Migração do filtro, estase venosa crônica e TEP através de vasos colaterais, são algumas das complicações. Filtro temporário (duração de até 14 dias) com sua retirada após comprovação de ausência de trombo é outra opção profilática.
Heparina não fracionada (HNF) (liquemineR, heparinaR) - Descoberta em 1916, a heparina é um polissacáride natural, extraído da mucosa intestinal de porco. Tem peso molecular (PM) de 3.000 a 30.000 daltons (PM médio de 15.000 daltons). Seu efeito anticoagulante baseia-se no fato de interagir com a antitrombina III, promovendo alteração na sua conformação estrutural, o qual acelera sua capacidade em inativar várias enzimas da cascata da coagulação: fator XIIa, fator XIa, fator IXa, fator Xa e fator IIa (trombina) (fig. 3). Destes, a trombina e o fator Xa são os mais sensíveis à inibição. Somente um terço da heparina infundida por via endovenosa liga-se à antitrombina III (ATIII), promovendo seu efeito anticoagulante. O restante liga-se a ao fator von Willebrand, células endoteliais, macrófagos. É clareada através de receptores situados no endotélio e macrófagos, onde é internalizada e despolimerizada e, também, pelos rins. Na profilaxia utilizam-se doses de 5.000 a 7.500UI de heparinato de cálcio ou de sódio cada 8 a 12h, via SC.
Heparina de baixo peso molecular (HBPM) (nadroparina - fraxiparineR; enoxaparina - clexaneR) - É obtida através da despolimerização da heparina com produção de fragmentos de PM entre 4.000 e 6.000 daltons. Tem maior capacidade em inibir o fator Xa e menor afinidade por proteínas plasmáticas, vasculares, células endoteliais, macrófagos e plaquetas, conferindo maior biodisponibilidade e meia-vida plasmática e redução dos efeitos colaterais relacionados a plaquetopenia e risco de sangramento. Para os pacientes de risco moderado recomenda-se: 1) enoxaparina SC 20mg (2.000UI anti-Xa) 2h antes da cirurgia e mantido por sete a 10 dias (ou enquanto persistir o risco) ou nadroparina 0,3ml SC (7.500UI anti-Xa), nos mesmos intervalos de tempo. Para os de alto risco: enoxaparina 40mg SC 12h antes da cirurgia e mantido por sete a 10 dias ou nadroparina 0,6mL SC, nos mesmos intervalos.
Nas obstruções de cateteres venosos, pode ser utilizado o fibrinolítico uroquinase (abbokinase open-cathR), na dose de 5.000UI, injetados dentro do cateter. Aspirar após 30min e repetir a dose caso não tenha ocorrido sucesso.
As medidas farmacológicas e não farmacológicas da TVP conforme o risco estão na tabela II.
Na gravidez a profilaxia deve ser feita com HNF ou com a HBPM, pois não atravessam a placenta e não são teratogênicos 17. No trauma medular, a incidência de TVP é maior nas duas primeiras semanas seguintes ao mesmo e mais raro após o 3º mês. Recomenda-se o uso profilático da HBPM por pelo menos três meses ou HNF associada a medidas não farmacológicas 18. Naqueles submetidos a neurocirurgia intracraniana, a profilaxia não farmacológica tem sido recomendada, embora a sua associação com a HNF tem sido sugerida 19.
Risco baixo | Risco moderado | Risco alto |
---|---|---|
Não farmacológica | Enoxaparina 20mg SC ou Nadroparina 0,3mL SC 2h antes da cirurgia seguida de aplicação diária enquanto persistir o risco. Heparina 5.000UI SC(2x/dia) associado ou não a medidas não farmacológicas. | Enoxaparina 40mg SC ou Nadroparina 0,6mL SC l2h antes da cirurgia seguida de aplicação diária enquanto persistir o risco. Heparina 5.000UI SC (3x/dia) associado ou não a medidas não farmacológicas |
Nos portadores de cateteres venosos centrais, a prevenção da trombose da veia subclávia e axilar deve ser feita com warfarin na dose de 1mg/dia. Nos pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica e que não recebem profilaxia para TVP, cerca de 4% apresentam TEP 20. Em um estudo utilizando a ultra-sonografia dos membros inferiores para a detecção de TVP em pacientes submetidos a revascularização miocárdica e que não eram portadores de doença vascular periférica, constataram que 20% dos casos apresentaram TVP apesar da profilaxia com medidas não farmacológicas (meias elásticas e/ou compressão pneumática). O TEP ocorreu em 0,6% dos casos, sendo um fatal 21. O uso da HBPM nesses casos tem sido motivo de controvérsia devido ao risco de sangramento, principalmente no período mais imediato do pós-operatório 22.
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